Com aumento nas denúncias, ameaças e violência contra mulheres políticas se tornam mais frequentes no Estado, apesar dos esforços legais para combater o problema.
As queixas relacionadas à violência política de gênero em Minas Gerais aumentaram 223% em apenas um ano, conforme dados recentes do Painel da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. Em 2024, o Estado registrou 42 denúncias desse tipo, um número expressivamente maior do que as 13 registradas em 2023. Em termos nacionais, a alta foi ainda mais alarmante, saltando de 69 denúncias em 2023 para 403 no ano seguinte, um aumento de 484%.
Em relação aos outros Estados, Minas ocupa a terceira posição, ficando atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, foram contabilizadas 99 denúncias, enquanto o Rio de Janeiro somou 53 registros.
O aumento expressivo nas denúncias ocorre em um cenário de endurecimento das leis contra aqueles que buscam obstruir ou restringir a participação feminina na política. Em 2021, a Lei 14.192 modificou o Código Eleitoral Brasileiro, criando diretrizes para a prevenção e repressão da violência política contra mulheres. Em Minas, em 2023, uma nova legislação estadual foi aprovada para estabelecer políticas de enfrentamento a essa violência. No mesmo ano, diversas parlamentares mineiras foram alvos de ameaças graves, incluindo ameaças de morte e casos de “estupros corretivos”, levando a ações de investigação por parte do Ministério Público e da Polícia Civil do Estado.
A professora Marlise Matos, do departamento de Ciência Política da UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem), destaca que esse aumento está ligado à ascensão de lideranças autoritárias e à perpetuação de uma estrutura política dominada por homens. “A violência política de gênero está relacionada à ascensão de projetos autoritários, como o da extrema-direita, que têm a violência como parte de sua estratégia. E, ao mesmo tempo, há uma manutenção de um espaço predominantemente masculino, no qual os homens tentam preservar seu poder político por meio da violência”, avalia.
A cientista política Viviane Gonçalves, da Fundação Joaquim Nabuco, acrescenta que a legislação alterada em 2021 foca especificamente nas mulheres, deixando de fora mulheres trans, que não se identificam com o gênero biológico. Para ela, a violência política de gênero impede o exercício pleno dos direitos políticos, como o direito de se candidatar e votar, e é uma consequência da ainda baixa representatividade feminina nos espaços de poder. “No Congresso Nacional, as mulheres representam apenas 18% da bancada. Iniciativas como as cotas de 30% são um passo importante, mas também é necessário olhar para a violência que essas mulheres enfrentam”, afirma Viviane.
Cobranças por punição
O aumento das denúncias também se deve a casos concretos que geraram repercussão, como o das ameaças de morte e violência sexual contra parlamentares mineiras e vereadoras de Belo Horizonte. Em 2024, um homem foi preso por envolvimento na criação de fóruns virtuais para incitar violência política de gênero, entre outros crimes. Esse caso foi parte da operação Di@na, conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que resultou na prisão do acusado.
A deputada estadual Lohanna França (PV), uma das vítimas mais visíveis do ataque, afirmou que se empenhou para denunciar o caso publicamente, acreditando que não poderia ser tratado como algo comum no exercício de sua função. “É essencial que haja punição, respeitando os direitos humanos, mas que se mostre que esse tipo de crime não pode ser tolerado”, disse a parlamentar.
Cida Falabella (PSOL), vereadora de Belo Horizonte e coautora de uma lei municipal contra a violência política contra mulheres, também foi alvo de ataques em 2023. Ela afirma que as ameaças se intensificaram com a propagação de discursos de ódio nas redes sociais e reforça que as ameaças, mesmo que não se concretizem, são crimes passíveis de punição. “A ameaça de morte já é um crime, e precisamos reforçar essa mensagem”, afirmou.
Desafios na apuração das denúncias
Apesar dos avanços nas leis brasileiras, especialistas apontam que o sistema de denúncia de violência política contra mulheres ainda apresenta falhas, com a falta de um fluxo padronizado de atendimento às vítimas. Marlise Matos, do Nepem, argumenta que as denúncias são feitas de forma fragmentada, e muitas vezes o sistema judiciário não dá a devida atenção a esses casos, o que passa a mensagem de impunidade.
Viviane Gonçalves observa que, embora a legislação tenha avançado, o aumento no número de denúncias não indica necessariamente que os casos tenham ocorrido apenas após a criação das leis, mas sim que as mulheres estão mais dispostas a denunciar. Ela defende a implementação de um processo de conscientização e educação sobre violência política de gênero, como ocorreu com a Lei Maria da Penha, que só se consolidou após anos de implementação prática e treinamento de agentes de segurança.
Da Redação Na Rua News
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