No dia a dia, eles têm uma missão aparentemente simples: seguir o itinerário preestabelecido, transportar passageiros e chegar até o ponto final. Na mente, porém, tudo é bem diferente. “A cabeça do motorista de ônibus é um vulcão”, diz um motorista que por anos atuou como condutor em coletivos. Na prática, os profissionais do segmento seguem caminhos tortuosos – mesmo que por belas ruas – e tentam não perder a direção da própria vida ao lidar com a violência cotidiana, com as múltiplas tarefas e humilhações no trânsito. E se no trabalho eles sempre têm um destino certo, na vida pessoal, o medo é de, subitamente, não chegar a lugar algum. O temor, de ter os sonhos apagados pela bala de um revólver ou de adoecer de tanto estresse a ponto de ‘se perder’ e não mais encontrar o ‘sentido’, permanece.
A vida do motorista de coletivo em BH realmente não é fácil.
Esse outro profissional que não quis ser identificado conta que já sofreu além de xingamentos ameaças.
“Uma vez o passageiro entrou pela porta de de trás eu fui pedir ele pra descer e vir pela porta da frente que lá ele não podia se não eu teria que pagar a passagem dele devido o ônibus ter câmara de segurança ne , ai ele veio na frente e perguntou pra mim se eu sabia com quem que eu estava falando, falando que ele era da favela e dizendo que quem comandava era ele, (Cole moto quem comanda isso aqui é nos, aqui é favela ) várias vezes já passei por isso, é xingamento e ameaças praticamente todo dia.” Concluiu o motorista que atua a mais de 15 anos na profisão.

Os episódios de agressão, seja verbal ou física, já foram uma realidade na rotina de 75,3% dos trabalhadores do transporte público de Belo Horizonte, mostrou o estudo do Ministério Público do Trabalho (MPT) feito em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). Além disso, 41% dos condutores de coletivos afirmaram estar constantemente preocupados com a recorrência de episódios violentos. Os números da pesquisa refletem o cenário de pavor, desilusão e cansaço dos motoristas de ônibus na capital mineira e alertam para um cenário que se estende em todo o Estado.

Se as placas de trânsito e o que elas significam estão cravadas na mente do motorista de coletivo, outras imagens parecem estar ainda mais vivas na memória deles: a dos revólveres que os intimidam ao longo da carreira. O condutor, Paulo de 50 anos conta que já foi assaltado três vezes, e que não conseguiu lidar com toda a carga sozinho. Ele procurou ajuda médica, precisou tomar remédio controlado e, apesar da vontade de desistir, teve de seguir em frente na luta para sustentar os dois filhos, hoje com 25 e 18 anos. Atualmente, ele ainda atua como motorista, mas corporativo. Os dias de coletivo ficaram para trás, junto com tudo de mais pesado que ele viveu.
“Você tem medo, mas não pode parar de trabalhar. Quando cai a ficha de tudo o que acontece, dá vontade de chorar. A gente acaba se forçando psicologicamente a suportar. O motorista já sai de casa sob pressão e com medo, assustado, sem muitas vezes ter conseguido dormir”, diz ele.
Segundo a pesquisa do MPT em parceria com o Cefet, uma das principais causas de desencadeamento de conflitos no transporte coletivo é a cobrança de tarifa, que deixa os motoristas mais suscetíveis a assaltos.
O Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) disse, em nota, que a orientação “para os profissionais condutores é de realizar a cobrança da tarifa, desde que não tenha nenhuma ameaça ou risco a sua integridade. Em caso de receber agressão verbal ou física, o profissional é orientado a acionar as forças de segurança para intervir”.
O sindicato reforçou que violência contra o condutor é considerada crime pelo código penal, e o infrator pode sofrer pena de detenção, de 15 dias a dois meses, ou multa. Para o sindicato, a eliminação do uso do dinheiro a bordo, com pagamento apenas eletrônico, seria uma solução. Já a Prefeitura de Belo Horizonte diz, também em nota, que “os casos de agressões devem ser denunciados aos órgãos de segurança”.
Especialista defende fiscalização
Para o especialista em segurança pública Arnaldo Conde, os ônibus são, de certa forma, ambientes propícios para episódios de violência, devido a sensação de impunidade e o ambiente propício a erros desde os pequenos até aos mais graves.
“Nos ônibus, há regularmente jovens sentados nas cadeiras prioritárias e idosos em pé. No trânsito, pessoas parando em fila dupla. É necessário impedir, evitar ou desestimular que as pessoas cometam pequenos atos ofensivos de qualquer espécie. Sendo desestimuladas, muitas vezes não chegarão a cometer grandes ações. Mas, ao contrário disso, há falta de fiscalização e certeza da impunidade, o que estimula crimes de maior potencial”, diz ele.
Casos que ficaram bastante conhecidos no Estado reforçam a ideia de que muitas pessoas agem acreditando na impunidade e não se detêm mesmo em meio às câmeras.
No último dia 9 de novembro, o motorista de ônibus Caio Freitas, de 27 anos, denunciou ter sido vítima de injúria racial após ser chamado por um idoso de “macaco” e “preto”. Pessoas que estavam no local gravaram o acontecimento. “Além do medo que vivenciamos, muitas vezes temos também o sentimento de frustração por não termos o reconhecimento das pessoas, por não termos respeito como seres humanos. Querendo ou não, surge aquele desgosto”, diz Caio ao relembrar o episódio.
O motorista destaca que a profissão é muito digna e que ele gosta bastante de trabalhar na área, mas que o ofício não é fácil. “Ouvimos xingamentos de diversos tipos”, diz.
Para Conde, é importante denunciar sempre os casos de violência. Além disso, o especialista sugere que sejam colocadas câmeras de TV dentro dos ônibus para desestimular as ações criminosas. “Temos que procurar medidas que sejam factíveis. Não adianta propor um sistema caríssimo”, diz.
Da Redação Na Rua News
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