A permissão de viagens dentro do Espaço Schengen para imigrantes que possuem Autorização de Residência da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) é tema de controvérsia em Portugal. Uma vez que a lei não traz nada sobre o tema, essa é uma das principais dúvidas entre os imigrantes. Inicialmente, a Direção-Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou que o documento seria válido, mas o governo português divulgou uma posição contrária recentemente. Nessa semana, o SEF confirmou ao Na Rua News que a AR CPLP não pode ser usada em outros países.
O novo posicionamento contradiz o que diretor-geral do SEF, Fernando Pinheiro da Silva, respondeu ao portal no dia do lançamento da nova AR CPLP. Questionado se o documento seria válido para viagens turísticas dos imigrantes dentro do Espaço Schengen, Silva confirmou que o novo modelo de autorização de residência permitiria circular por outros países:
“A lei é muito clara, a lei cria esse regime e depois não exceciona [não apresenta exceção] em termos de todas as questões que estão associadas ao regime, por isso, aplica-se exatamente as mesmas termos que se aplica a qualquer outra Autorização de Residência”, afirmou o diretor do órgão no dia 10 de março. Desde então, mais de 100 mil estrangeiros, a maior parte brasileiros residentes em Portugal, já obtiveram o novo modelo de AR.
Cerca de dois meses depois da declaração, no entanto, o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) divulgou que “não existem garantias que o direito a circular pelo território de outros Estados-Membros (…) atendendo a que o Acordo de Mobilidade visa promover a mobilidade e liberdade de circulação no Espaço da CPLP”. O órgão é responsável por executar as políticas públicas na área de imigração em Portugal.
A nota gerou discussão no país. A Casa do Brasil, maior associação de brasileiros em Portugal, diz que a medida gera “desigualdade” e deve ser corrigida: “Manifestamos a nossa não concordância com o processo de decisão, que não envolveu a sociedade civil, sobre o tipo de documento que titula a Autorização de Residência CPLP (…) não houve por parte do governo português o esclarecimento prévio acerca dos direitos assegurados pela Autorização de Residência CPLP no âmbito de Mobilidade no Espaço Schengen”. Ainda de acordo com a associação, a falta de informação “impediu que as pessoas migrantes da CPLP tomassem uma decisão informada”.
O brasileiro Robson Oliveira, de 29 anos, relata sentir-se injustiçado em não poder viajar com o documento: “Eu decidi mudar minha Manifestação de Interesse para a CPLP porque achei que seria mais fácil em relação às viagens, mas achei injusto não podermos viajar”, explica o imigrante, que mora há um ano e três meses em Portugal. O brasileiro trabalha em um refeitório hospitalar na região do Algarve e analisa que o governo “não explicou corretamente essa nova residência”.
Robson fala que o sentimento é de ter sido “lesado”, pois sabendo que a AR CPLP não seria válida, ele não teria realizado a troca, assim como outros estrangeiros: “muita gente não iria fazer e, sim, acho muito injusto essa AR ser diferente das demais residências”. Para o profissional, os trabalhadores deveriam ter os mesmos direitos que os demais, o que inclui fazer viagens turísticas.
SEF se contradiz
Depois da divulgação da nota do Alto Comissariado das Migrações, o SEF endossou que o documento não permite aos portadores da AR CPLP a livre circulação pelo Espaço Schengen. O órgão, inicialmente, não respondeu sobre a afirmação divergente que o diretor concedeu em março.
Na última semana, o SEF enviou um novo posicionamento ao reiterando que a AR CPLP não possibilita as viagens, mas que os cidadãos do Brasil possuem um acordo especial com a União Europeia (UE), que permite a circulação por 90 dias anuais. No entanto, o acordo se refere aos turistas brasileiros, não aos que residem em um país da UE.
Advogados consultados foram unânimes em afirmar que, a partir do momento que os cidadãos brasileiros passam dos 90 dias no Espaço Schengen, já não são considerados turistas: “Uma coisa é estar na condição de turista e outra é de residente”, explica a advogada brasileira Jamile Jambeiro.
A profissional ressalta que muitos imigrantes trocaram a Manifestação de Interesse pela AR CPLP e não sabem como agir: “As pessoas foram induzidas ao erro e agora não sabem o que fazer. Na verdade, possuem todo o direito de recorrer a uma via judicial”, argumenta a advogada. Para o advogado Gustavo Carneiro, a situação demonstra a instabilidade jurídica nas leis que dizem respeito à imigração em Portugal: “As informações mudam muito e a lei não é clara sobre muitos pontos”, argumenta o profissional brasileiro.
Como explicam as diretivas da UE, o prazo para turistas brasileiros permanecerem no Espaço Schengen é de 90 dias a contar da data de ingresso através de um carimbo no passaporte. Depois desse prazo, é necessário prorrogar o visto de turismo por mais 90 dias ou ingressar com pedido de Autorização de Residência. Caso contrário, é considerado que o estrangeiro está em situação ilegal no Espaço Schengen.
No caso de Portugal, a lei permite solicitar a legalização através da Manifestação de Interesse, que possui validade somente dentro do território português, ou seja, não dá garantia de direitos nos demais Estados-Membros da UE. Atualmente, a MI é um meios para obter a AR CPLP, que não confere o direito de viajar, mas que possibilita uma residência legal no país.
O processo é demorado e leva uma média de dois anos para ser concluído, entre a entrada no processo, a entrevista presencial no SEF e o recebimento do cartão. Nesse período, o imigrante fica impedido de sair do território e de realizar reagrupamento familiar. Ao mesmo tempo, muitas empresas do país não fazem a contratação de estrangeiros apenas com a MI. O elevado tempo de espera e as dificuldades enfrentadas nesse período levaram muitos dos imigrantes a trocar a MI pela AR CPLP.
Diferenças AR CPLP das demais
Além de não poder viajar no Espaço Schengen, a AR exclusiva para cidadãos de língua portuguesa possui outras diferenças das demais que existem em Portugal. O documento é apenas um papel A4 impresso, sem recolha de impressões digitais e foto, como ocorre em outras.
Os outros modelos são em cartão no modelo padrão da União Europeia e informações mais detalhadas. A validade também é menor, com prazo de um ano, enquanto as demais começam com o prazo de dois anos.
Outra questão que divide opiniões de profissionais é se a AR CPLP dará direito a solicitar a cidadania portuguesa após cinco anos de moradia no país. Assim como no caso das viagens, a lei não traz detalhes sobre o tema.
Governo prevê extinção do SEF em outubro
Nesta semana, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, sancionou a lei que extingue o SEF e cria uma nova agência responsável pela imigração no país. O chefe de estado não poupou críticas ao governo, dizendo que a demora nos processos de regularização causa “graves prejuízos para a imagem externa do País e para o acolhimento dos que nos procuram”. Marcelo ainda escreveu que a agência terá “dificuldades nesta fase inicial”, por causa dos processos pendentes e da demora para concluir o transição do órgão.
A Agência para Integração, as Migrações e Asilo (AIMA) deve começar a operar no final de outubro, segundo o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro. O titular da pasta se recusou a rebater as críticas de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o processo de mudança do órgão, que já dura mais de dois anos.
O próximo passo é a publicação do documento no Diário da República (DRE). Questionado pela imprensa em coletiva de imprensa na quinta-feira (25), o ministro afirmou que ainda não possui uma data exata para essa etapa. Somente quando o decreto for divulgado a comunidade imigrante saberá com clareza as mudanças que o fim do SEF vai acarretar no dia a dia dos estrangeiros que vivem em Portugal.
Atualmente, o país possui mais de 700 mil imigrantes com Autorização de Residência (AR), sendo que mais de 300 mil são de nacionalidade brasileira. Além disso, existem outras 130 mil pessoas que estão na fila para regularização. O número total de estrangeiros é ainda maior, se for contabilizado os imigrantes com dupla cidadania.
Da Redação Na Rua News
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