Os consumidores estão em um limbo. É assim que o defensor público Paulo César de Azevedo Almeida define a situação daqueles que compraram passagens, a preços muito abaixo do mercado, na 123 Milhas e viram seus planos frustrados. Há um ano, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial e não há definição de quando os consumidores prejudicados vão receber reembolso ou indenização. Muitos buscaram a justiça, mas não têm esperança de receber os valores. Além disso, um especialista em direito do consumidor afirma que pouca coisa mudou no setor desde o início da crise da 123 Milhas.
O coordenador da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva da Defensoria Pública de Minas Gerais, Paulo César de Azevedo Almeida, explica que o órgão estabeleceu como estratégia de atendimento dessa demanda o ajuizamento de uma ação civil pública. “Se fossemos ajuizar cada uma das ações, para cada consumidor que passou por essa situação de frustração dos seus planos de viagem e de gastos com pacotes de turismo não efetuados, atenderíamos a milhares de pessoas.”
Ele não consegue precisar quantos consumidores procuraram a defensoria com reclamações contra a empresa. Porém, destaca que atendem apenas a pessoas que recebam até R$ 3 mil como renda individual ou R$ 4 mil de renda familiar. O defensor lembra ainda que existem outras defensorias públicas espalhadas pelo estado.
“A perspectiva, segundo estudos que têm sido feitos, é de lesão de 700 mil até 1 milhão de pessoas no país inteiro. Houve lesões graves, pessoas que depositaram sua confiança na empresa, salvaram economias para poder realizar uma viagem e foram frustradas”, enfatiza. Segundo o Estado de Minas apurou, o valor devido pela empresa chega a R$ 2,5 bilhões.
“A Defensoria Pública sempre atuou de uma forma muito democrática, ouvindo as queixas dos consumidores e, sobretudo, os que são carentes. Houve casos de pessoas que iam realizar o sonho de viajar pela primeira vez de avião, de conhecer o mar porque nunca tinham ido à praia. Pessoas que juntaram suas economias para poder fazer viagem em família”, ressalta.
Almeida cita o caso de um senhor que migrou há 40 anos, de Fortaleza, para Minas Gerais e nunca teve a oportunidade de voltar para visitar sua família. “Ele tinha o sonho de voltar à capital cearense. Comprou uma passagem na linha promocional. Esse senhor extremamente carente não teve a oportunidade de visitar a família como tinha planejado. Atendemos pessoas que viram na linha promocional que a 123 Milhas praticava a oportunidade de ter acesso a essas passagens áreas e realizar sonhos. Isso nos comoveu muito.”
A ação proposta pelo órgão pede o cumprimento do contrato com emissão das passagens e das obrigações assumidas pela empresa. Caso não seja possível, elas devem ser indenizadas pelo valor gasto e por danos morais causados pela frustração do contrato. “As ações estão tramitando, não há uma sentença que condene a 123 Milhas ao pagamento dessas indenizações, nem uma decisão definitiva que possamos executar e cobrar o pagamento.”
Logo depois que a defensoria propôs a ação civil pública, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial. Em 31 de agosto do ano passado, a juíza da 1ª Vara Empresarial da comarca de Belo Horizonte deferiu o pedido.
“Há um procedimento a ser seguido. O levantamento da lista de credores inclui todas as pessoas que têm valores a receber. Depois que essa lista é publicada, os consumidores têm um prazo de 15 dias para conferir se seus nomes constam dela lista, se os valores estão corretos e contestar eventual ausência de seus nomes ou valores incorretos”, explica o defensor.
Depois que a lista é consolidada, a empresa deve apresentar um plano de recuperação judicial. Os consumidores são credores quirografários, ou seja, aqueles que não têm prioridade na quitação dos valores. “Antes, são pagos outros créditos, como os tributários, trabalhistas limitados a 150 salários mínimos, os com garantias reais. Se sobrar patrimônio, são quitados os valores relativos aos consumidores.” Quando o plano for apresentado, a empresa definir quanto e como consegue pagar.
“Os consumidores estão em uma situação de limbo, na expectativa de saber como, quando e de que maneira esses valores serão pagos. Não temos um horizonte de cumprimento efetivo de pagamento aos consumidores. A expectativa é de que em novembro já haja um plano de recuperação aprovado.” O defensor lembra que à medida que decisões importantes acontecem nas duas ações – civil pública e de recuperação judicial – a defensoria lança cartilha com explicações de como os consumidores devem proceder.
‘Nenhuma satisfação’
A estudante Fernanda Godoy, de 20 anos, é uma das consumidoras prejudicadas pela 123 Milhas. Com quase um ano de antecedência, ela e o namorado compraram quatro passagens aéreas do Acre para Fortaleza e não conseguiram fazer a viagem planejada. Ela conta que a família do namorado mora no estado da Região Norte e a ideia era visitar uma irmã dele, que vive em Fortaleza. “Nunca chegava a confirmação ou o cartão de embarque.”
Eles foram para o Acre em dezembro e iam embarcar para a capital do Ceará em janeiro deste ano. O que atraiu os quatro – ela, o namorado, a mãe e uma irmã dele – foi o preço das passagens. “Estava muito barato, comparando com as outras tinha R$ 500 de diferença.”
A estudante disse que ficou sabendo do pedido de recuperação judicial da empresa por uma amiga. “Não estava sabendo, tinha comprado há muito tempo, não fazia ideia. Fui tentar cancelar, não tinha como, tentamos entrar em contato com eles, mandamos vários e-mails, nada de resposta. Ficamos sem saber o que fazer.”
Ela afirma que nunca recebeu qualquer satisfação da empresa. “Não fazia ideia do que fazer. Tivemos que cancelar a viagem e acabei não conhecendo a irmã dele. Todos ficamos no prejuízo”, lamenta. No início deste ano, a estudante decidiu procurar um advogado para tentar conseguir, pelo menos, o reembolso do valor gasto.
“Nem estou com expectativa de receber. O pior não é nem o dinheiro, mas era a oportunidade de conhecer a família dele (do namorado). As passagens para lá são muito caras, normalmente. Então, não vou ter essa oportunidade de novo, em breve. Era uma coisa planejada. Achei muita falta de respeito deles de não comunicarem absolutamente nada.”
Essa foi uma das razões que a levaram a procurar a justiça. “No site continuava como se estivesse tudo normal, a viagem programada, mas eu sabia que não ia acontecer.” Até hoje ela não recebeu nenhum contato da empresa. “Absolutamente nenhuma satisfação, nada.”
Da Redação Na Rua News
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